Boa ação no corredor da morte
Assassino confesso da mulher e dos três filhos, norte-americano luta na Justiça para conseguir doar seus órgãos depois de receber injeção letal
Talita Boros

Se você estivesse na fila de transplantes à espera de um órgão que pode salvar sua vida, se importaria de recebê-lo de um homem que matou a mulher e os três filhos pequenos? Essa discussão vem gerando polêmica nos Estados Unidos. O ex-empresário Christian Longo, de 37 anos, no corredor da morte após condenação há quase 1 década, iniciou uma campanha na internet para ter o direito de doar os próprios órgãos depois de receber a injeção letal. Não existe nenhuma lei no país que proíba a iniciativa, mas autoridades se recusam a negociar com um assassino confesso e temem a repercussão da decisão na hora de proferir novas sentenças. Nos Estados Unidos existem 110 mil pessoas à espera de um órgão e, em média, 19 morrem por dia na fila, segundo a U.S. Government Information on Organ and Tissue Donation, a agência reguladora de doação de órgãos do país.

Em entrevista exclusiva à Folha Universal, o criminoso conta, por carta, que sempre foi doador de órgãos e que não se sente diferente após a condenação. “Quando eu morrer, acredito que meus órgãos não devem ser jogados fora”, diz. As substâncias presentes na injeção letal usada pelo estado do Oregon destroem os órgãos. Então, para ele ser doador, o método deveria ser alterado. O serviço penitenciário do Oregon, porém, afirma que não mudará o procedimento padrão.
Em pesquisas, a população tem sinalizado apoio ao preso. “É improvável que alguém que precisa recuse meus órgãos. As pessoas que estão na fila de espera precisam deles para sobreviver”, destaca Longo.

Para o coordenador-geral do Sistema Nacional de Transplantes do Ministério da Saúde, Heder Murari Borba, a proposta fere a ética médica: “Somos contra. A doação deve ser voluntária e não prever benefícios a quem doar. Não queremos barganhar nada. Órgãos não podem servir como moeda de troca.”
A advogada criminal Fernanda Tortima, da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, afirma que, ainda que a ideia do projeto seja salvar vidas e trazer benefícios para os presos, a lei é inconstitucional por violar os princípios da dignidade e liberdade da pessoa humana. “É preciso que se veja que a doação deve ser feita quando se tem o livre consentimento do indivíduo que a ela irá se submeter. E entendo que o anseio do presidiário pela liberdade, por recuperar seu direito de ir e vir, faz com que seu consentimento esteja viciado. Ou seja, o preso, a rigor, não estaria verdadeiramente livre para decidir se quer abrir mão de parte do seu corpo”, explica.
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