domingo, 8 de janeiro de 2012

Mão de obra com sotaques

Com uma economia em crescimento, o Brasil vira destino de muitos que buscam uma vida melhor
Marília Medrado

A crise que assolou a economia mundial em 2008, vista por especialistas como a primeira fase das atuais turbulências financeiras, foi decisiva para que o artista plástico italiano Daniele Bergamaschi, de 46 anos, se mudasse para o Brasil. “Segui meu coração, pois me apaixonei por uma brasileira, filha de italianos, que morou mais de 10 anos na Itália. Ela queria ficar mais próxima da família e, visto o período de crise europeu, não pensamos duas vezes e viemos o quanto antes”, afirma. Desde meados de abril de 2009 no Brasil, ele já expôs suas obras na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul. “Gosto muito do Brasil e fui muito bem recebido. Tenho meu trabalho reconhecido como artista e como teórico da arte italiana”, completa.

Buscando novas oportunidades de trabalho e a realização de sonhos, pessoas de diferentes países não param de chegar ao Brasil. Segundo dados do Ministério da Justiça, o número de estrangeiros regulares no Brasil cresceu 52,5% em 6 meses. Até junho de 2011, havia 1,466 milhão de pessoas registradas no Departamento da Polícia Federal, contra 961 mil em dezembro de 2010. São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná são os principais destinos dos estrangeiros, cuja maioria é de origem portuguesa (328.856), boliviana (50.640), chinesa (35.265) e paraguaia (17.604) (Veja quem são e onde estão os estrangeiros que vêm ao Brasil no mapa ao fim da página). Os pedidos de naturalização também dobraram, passando de 1.056 para 2.116 entre 2009 e 2010.

O aumento no número de imigrantes é atribuído, principalmente, ao crescimento econômico e à consolidação do Brasil no mercado internacional – segundo uma consultoria britânica, o Brasil já é a sexta maior economia do mundo –, combinado à situação de algumas das maiores economias do mundo, que seguem mergulhadas na crise. Além da dívida norte-americana, países europeus, como Grécia, Irlanda, Portugal, Itália e Espanha não param de cortar empregos, de reduzir os benefícios sociais e de aumentar a arrecadação de impostos, em troca de ajuda financeira.

Durante uma visita ao Brasil, em fevereiro de 2011, o engenheiro português Hugo Veríssimo, de 34 anos, aproveitou  3 dias de suas férias para distribuir currículos.  Chamado por uma empresa para trabalhar em São Paulo, ele retornou ao País já em agosto. “Apesar de coincidir, mais ou menos, com a época de crise na Europa, eu já tinha intenção de trabalhar fora de Portugal há um ano. Mas, toda semana, recebo currículos e perguntas de portugueses que querem vir ao Brasil. Tem muita gente interessada”, conta Veríssimo.

“Há muito emprego no País, principalmente em áreas que exigem conhecimento técnico e profissional específico, cargos que os brasileiros ainda não estão preparados para preencher”, diz o advogado Grover Calderón, especialista em imigração e presidente da Associação Nacional dos Estrangeiros e Imigrantes no Brasil. De janeiro até setembro de 2011, o Ministério do Trabalho concedeu 51.353 mil autorizações para estrangeiros trabalharem no Brasil, um aumento de 32,8% em relação ao mesmo período do ano anterior.

Empregado em uma confecção de roupas de São Paulo, o paraguaio José Maria Brizuela, de 31 anos, está no Brasil há dois anos. Depois de passar pela Argentina e deixar a Espanha devido à crise de 2008, ele tinha o mesmo desejo de muitos imigrantes. “Vim em busca de uma vida melhor, emprego e salário bom. Lá no meu país é mais difícil”, diz.  Além de arcar com todas as despesas, Brizuela consegue enviar dinheiro para sua família no Paraguai. “Lá, o meu salário chegava e sumia”, conta.

Além do aspecto econômico, o Brasil é conhecido pela hospitalidade por quem vem de fora. “Diferente de outros países, onde os estrangeiros são presos ou perseguidos, o Brasil é visto como um local onde os direitos dos imigrantes são respeitados”, diz Calderón. Segundo o Ministério da Justiça, outro ponto que colaborou para o aumento do número de estrangeiros legais no Brasil foi a aprovação da Lei da Anistia Migratória – que abrange todos aqueles que chegaram ao País antes de 1º de fevereiro de 2009 – e que regularizou até agora a situação de 45 mil imigrantes. Além dela, o Acordo sobre Residência para Nacionais dos Estados Partes do Mercosul, que está em vigor desde 2009, permite que cidadãos que integram o bloco econômico requeiram visto em país diferente do seu de origem ou residência, caso já esteja nesse país, mesmo que em situação irregular.

Torcedor do Corinthians, que já frequentou ensaios de escolas de samba e conhece o Rio de Janeiro, Minas Gerais e o litoral norte paulista. A descrição poderia ser de um típico brasileiro, não fosse o sotaque francês de Rémi Sraïki, de 26 anos. “Me apaixonei pelo Brasil quando vim há 10 anos, pela primeira vez, com a minha família. Desde então, sempre quis voltar”, diz. Desde o fim de 2010 em São Paulo, ele deixou seu emprego na França e aprendeu um pouco de português antes de desembarcar em território nacional. “Aqui é um ambiente diferente. Os jovens têm uma luz de esperança nos olhos, não existe isso na França. Aqui vi muitas pessoas se expressarem com a arte, a música e até no jeito de se vestir”, conta.

Uma pesquisa realizada com 17 mil pessoas em 23 nações pelo Instituto Ipsos MORI mostrou que o Brasil é o país que tem a visão mais positiva sobre os imigrantes. Para 49% dos brasileiros, os estrangeiros tornam o país um lugar mais interessante de se viver e 47% consideram que a imigração traz vantagens econômicas. “Os estrangeiros movimentam a economia brasileira e trazem, além do idioma, experiências culturais e sociais diferentes”, afirma Calderón.




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