segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Educação: Elevador Social


No Brasil, mais da metade dos jovens com 14 anos já atingiu ou superou a escolaridade de suas mães. Educação amplia as perspectivas de vida de brasileiros



Marília Medrado





Na hora da lição de casa, são as filhas que ajudam a mãe, Marcília Rodrigues de Sousa, de 37 anos, com as dúvidas que surgem. “Voltei a estudar no meio do ano passado. Não sei ler, mas estou aprendendo. Minhas quatro filhas sabem, elas me ajudam e me incentivam. Dá muito orgulho”, diz. Este ano, a caçula Thamires Sousa do Nascimento, de 7 anos, irá começar o segundo ano do ensino fundamental, o mesmo nível de escolaridade que Marcília tinha antes de se matricular no curso de ensino voltado para jovens e adultos. Já as outras três filhas superaram os anos de estudo da mãe. A mais velha, Maxjane Sousa do Nascimento, de 21, deixou a escola após engravidar, mas Neurijane, de 15, e Talia Sousa do Nascimento, de 19, cursam o ensino médio. “Com o estudo, você pode tudo. Eu imagino um futuro bom, uma vida melhor do que aquela que meus pais tiveram”, diz Talia.


A situação vivida na casa de Marcília, na qual os filhos superam a trajetória escolar dos pais, repete-se em outros lares brasileiros. Mais da metade (51,4%) dos jovens com 14 anos já alcançaram os anos de estudos da mãe. Desse total, 43,6% já ultrapassaram. Os resultados, divulgados em novembro do ano passado, constam no levantamento feito pelo Programa Todos pela Educação, com apoio da Fundação de Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), com base em dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2009. Ainda segundo o levantamento, até os 19 anos os índices só crescem. Nessa faixa etária, 82,5% dos jovens já têm escolaridade igual ou maior que as mães.


“A situação educacional no Brasil vem melhorando. São 98% das crianças entre 7 e 14 anos matriculadas no ensino fundamental. Porém, ainda há 3 milhões de crianças e adolescentes fora da escola, população semelhante à do Uruguai. No ensino público, pouquíssimos conseguem concluir o ensino médio ou ir para a faculdade. A lição de casa não está feita”, comenta Priscila Cruz, diretora-executiva do Todos Pela Educação.


Marcília conta que sempre incentivou as filhas a estudar. “Eu sei o que passei por não saber ler. Como é que eu vou encontrar um endereço, saber o que estou assinando? É difícil”, pontua. Assim com Marcília, há mais de 14 milhões de analfabetos no Brasil. “São pessoas que não conseguem ler a placa do ônibus, entender os papéis do banco. Sem acesso à educação, a pessoa não tem acesso a outros direitos fundamentais”, afirma o professor Luiz Araújo, mestre em políticas públicas em educação e colaborador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. As dificuldades de adaptação na escola e a gravidez ainda jovem fizeram com que Marcília abandonasse os estudos. “Eu quero que minhas filhas tenham tudo o que eu não tive. Estudando, elas podem ter um emprego melhor, ganhar mais e conseguir o que querem”, completa.


Segundo Priscila, o reflexo mais imediato do aumento da escolaridade é justamente no salário futuro do cidadão. “Quanto mais anos de estudo, maior é a probabilidade de se ter mais renda. Além da escolaridade, quanto mais você aprende na escola, maior será a renda no futuro”, diz. Dados divulgados em maio pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que trabalhadores que concluíram curso superior ganhavam 225% mais do que os colegas que não tinham feito faculdade em 2009. “A educação dá autonomia, proporciona vida mais digna, traz oportunidades e chances de a pessoa escolher o que quer fazer”, afirma Priscila.


Talia não pensa em seguir os passos da mãe, que trabalha com serviços gerais. “Eu acho que foi a única opção que ela achou. Quero fazer uma boa faculdade. Estou dividida entre relações internacionais e administração”, conta.


De office boy a administrador em uma empresa de convênio médico, Samuel Ramos Gomes, de 30 anos, ressalta a força de vontade em querer vencer. “A educação é importante, mas são importantes também determinação e atitude”, diz. Há 15 anos na mesma empresa, Samuel conciliava o trabalho com os estudos no início da carreira. Hoje, ele já é pós-graduado e tem planos para pelo menos os próximos 10 anos, o que inclui a fluência em uma língua estrangeira, outra especialização, e o início de um mestrado. “É preciso estar preparado para as oportunidades que surgem”, diz.




Samuel foi bem mais longe que sua mãe, a diarista Mariana Ramos Gomes, de 54 anos, que estudou até a quarta série do ensino fundamental. Ela, por sua vez, também superou os anos de estudo de seus pais, que eram semianalfabetos. “A educação é tudo. Não frequentei muito a escola, mas venci com força de vontade. Com estudo, teria sido mais fácil”, diz Mariana. Sua netinha, de 1 ano, já está na escola, e Mariana torce que ela conquiste ainda mais do que Samuel. “Em geral, os pais sempre querem que os filhos tenham maior escolaridade para terem melhores condições de vida. Na educação, tudo o que você conquista não retroage”, diz Priscila. “O mundo moderno requer uma formação melhor e a sociedade, por sua vez, também está mais exigente com seus filhos e netos”, completa Araújo.


A rápida ascensão experimentada pela classe média do País nos últimos anos também trouxe mudanças no valor que as famílias dão aos estudos. “Para manter as conquistas e avançar, há a consciência de que o caminho é a educação”, diz Priscila. Segundo ela, o perigo é que, com o aumento da renda, muitos creem que a melhor opção é o ensino particular, o que nem sempre significa boa educação. “A força deve ser para melhorar a escola pública”, diz.


Educação dos pais afeta os filhos


Se por um lado os dados da pesquisa revelam uma faceta otimista da trajetória escolar da atual geração de jovens, por outro, mostram a baixa escolaridade dos adultos brasileiros. As mães de jovens com 14 anos têm, em média, 7,32 anos de estudo e a maioria cursou até o ensino fundamental. Ainda assim, o número é melhor do que o registrado em 2001, quando a escolaridade média das mães era de 6 anos.


A pesquisa também aponta diferenças educacionais entre mães de alunos da rede privada e da rede pública que, neste segundo caso, têm menos anos de estudos. A situação se repete nas famílias mais pobres. A educação dos pais pode impactar na trajetória escolar dos filhos. “Em educação, infelizmente, a aprendizagem tem uma relação muito grande com o nível socioeconômico. Os filhos tendem a ter menos estímulos para estudar quanto menor for a escolaridade e a renda da família. A desigualdade educacional é causa e consequência da desigualdade social. É um ciclo vicioso que precisamos inverter”, afirma Priscila Cruz, diretora-excutiva da Todos Pela Educação.


A pesquisa ainda confirma que mães de alunos negros estudaram menos do que a de estudantes brancos. No primeiro grupo, 56,33% dos alunos com 14 anos alcançaram os anos de estudo da mãe, enquanto 45,28% dos alunos de mães brancas conquistaram o feito. Entre as regiões do País, é no Nordeste onde mais alunos com 14 anos alcançaram suas mães no campo educacional, índice 10,6% menor no Sudeste. “A diferença de renda perpassa todas as outras categorias de desigualdade, como a de região e raça. Na educação, temos que dar mais justamente para quem tem menos, o que se traduz em mais recursos, melhores professores e gestores”, explica Priscila.

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