terça-feira, 3 de abril de 2012

Dor Sem Tamanho

Além de sofrer com a perda precoce, pais ainda precisam conviver com a culpa por estarem envolvidos, ainda que acidentalmente, na morte dos filhos


A morte dos filhos é frequentemente apontada, inclusive por psicólogos, como uma quebra na ordem natural da vida. Mães e pais que já passaram pela experiência relatam profundo sofrimento e dificuldade de dar a volta por cima. Ainda que seja incalculável a dor desses pais, pode-se imaginar que o sofrimento de quem, além de perder o filho, carrega a culpa de estar envolvido em sua morte, seja infinitamente maior.

Antônio Edvan Moreira de Carvalho sabe bem o que é isso. Em fevereiro, ele atendeu ao pedido do único filho, Mitchill, de 9 anos, para que pilotasse um jet ski e o arrastasse em uma boia pelas águas de uma represa de Ribeirão Pires, no ABC paulista. Carvalho declarou que algo lhe dizia que era melhor não fazer aquilo, mas a insistência do menino falou mais alto. Logo no início do passeio, a boia bateu na pilastra de uma ponte que passa sobre a represa, ferindo gravemente o garoto. Ele tentou ajudar o filho, mas o menino morreu a caminho do hospital. Carvalho não tinha permissão para pilotar jet ski.



Dias antes, na cidade de São José dos Cordeiros (PB), um pai estacionava o caminhão em frente de casa quando atropelou e matou seu filho, de 4 anos. A mãe do garoto fraturou a mão tentando impedir que a criança se aproximasse do veículo que dava marcha à ré, mas não conseguiu impedir o impacto. Em choque, o pai precisou ser medicado e foi classificado como "inconsolável" por policiais que participaram da investigação.

A coordenadora do núcleo de família e comunidade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Rosa Maria Macedo, explica que além dos problemas judiciais, há implicações emocionais no culpado e na família toda. "É muito difícil que o casal supere esse tipo de coisa. Por isso é comum que aconteçam separações", afirma.

A mãe do pequeno Mitchill parece ter conseguido ver o lado do marido, apesar da tragédia. "Ele ainda está muito abalado. Ainda é muito recente. Saíram algumas notícias culpando ele, o que não precisa, porque ele já está se culpando sozinho" disse Márcia Pereira dos Santos.


A psicóloga enfatiza que cada família se comporta de um jeito, mas que o comportamento do responsável pela morte, antes do acidente, faz toda a diferença. "Se a pessoa era atenciosa e cuidadosa, será muito mais fácil para que todos aceitem aquilo como acidente", explica. Ela ainda afirma que mesmo que racionalmente se saiba que foi um acidente é muito difícil não culpar o outro e não pensar ‘eu avisei’ ou ‘por que ele foi fazer aquilo?’

Esse tipo de pensamento também invade de forma incontrolável a cabeça de quem se sente culpado. Segundo Rosa Maria, isso pode interferir na qualidade do sono e no rendimento no trabalho, e pode ser caracterizado como um luto patológico. Nesses casos, a ajuda externa é essencial. "A geração de um filho é uma coisa muito primitiva no cérebro. É muito difícil encontrar argumentos lógicos que conseguiam rebater a culpa", enfatiza. Em 2006, um bebê de 1 ano e 3 meses morreu depois de ser esquecido pelo pai durante 5 horas e meia dentro do carro. O bebê sofreu queimaduras de 1º e 2º graus, desidratação grave e parada cardíaca. Na época, o pai contou que diariamente seguia uma rotina, mas no dia do acidente essa rotina foi quebrada e ele esqueceu o bebê no carro que ficou estacionado em frente ao trabalho. A delegada que acompanhou o caso disse que o pai estava com o "piloto automático ligado".

Os inquéritos policiais em casos onde os pais acidentalmente são responsáveis pela morte dos filhos apontam para homicídios culposos, quando não há intenção de matar. Esse também será o provável indiciamento de outro pai, da cidade de Carambeí (PR), que atropelou o filho de 10 anos em janeiro passado. O delegado do caso, Marcos Vinicius Sebastião, disse que o inquérito ainda não foi concluído, pois ele investiga se houve imprudência, mas acredita que o que ocorreu foi "uma tragédia". "O pai ficou desolado. Mas o meu papel é apontar o que realmente aconteceu lá. Existe o mecanismo do perdão judicial, mas isso cabe à Justiça dar depois de todo o trâmite normal do processo", disse.

O perdão judicial, concedido normalmente nessas ocasiões, é um instrumento jurídico que livra o responsável por um homicídio ou lesão corporal culposa quando o juiz avalia que as consequências do acidente já produzem punição maior ou igual a de uma sentença. A defesa do pai do garoto que morreu no acidente com o jet ski vai solicitar o perdão. "Esse mecanismo pressupõe a autoria de um crime, mas por uma razão humanitária é concedido o perdão", explica a professora de direito penal e criminologia da Universidade de Brasília, Beatriz Vargas. Segundo ela, nos casos em que é dado o perdão judicial, o juiz entende que a pena "se converteria em uma medida cruel e desumana", completa.

Fonte: F.U

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