Dor Sem Tamanho
Além de sofrer com a perda precoce, pais ainda precisam conviver com a culpa por estarem envolvidos, ainda que acidentalmente, na morte dos filhos

A morte dos filhos é frequentemente apontada, inclusive por psicólogos, como uma quebra na ordem natural da vida. Mães e pais que já passaram pela experiência relatam profundo sofrimento e dificuldade de dar a volta por cima. Ainda que seja incalculável a dor desses pais, pode-se imaginar que o sofrimento de quem, além de perder o filho, carrega a culpa de estar envolvido em sua morte, seja infinitamente maior.
Antônio Edvan Moreira de Carvalho sabe bem o que é isso. Em fevereiro, ele atendeu ao pedido do único filho, Mitchill, de 9 anos, para que pilotasse um jet ski e o arrastasse em uma boia pelas águas de uma represa de Ribeirão Pires, no ABC paulista. Carvalho declarou que algo lhe dizia que era melhor não fazer aquilo, mas a insistência do menino falou mais alto. Logo no início do passeio, a boia bateu na pilastra de uma ponte que passa sobre a represa, ferindo gravemente o garoto. Ele tentou ajudar o filho, mas o menino morreu a caminho do hospital. Carvalho não tinha permissão para pilotar jet ski.

Dias antes, na cidade de São José dos Cordeiros (PB), um pai estacionava o caminhão em frente de casa quando atropelou e matou seu filho, de 4 anos. A mãe do garoto fraturou a mão tentando impedir que a criança se aproximasse do veículo que dava marcha à ré, mas não conseguiu impedir o impacto. Em choque, o pai precisou ser medicado e foi classificado como "inconsolável" por policiais que participaram da investigação.
A coordenadora do núcleo de família e comunidade da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Rosa Maria Macedo, explica que além dos problemas judiciais, há implicações emocionais no culpado e na família toda. "É muito difícil que o casal supere esse tipo de coisa. Por isso é comum que aconteçam separações", afirma.
A mãe do pequeno Mitchill parece ter conseguido ver o lado do marido, apesar da tragédia. "Ele ainda está muito abalado. Ainda é muito recente. Saíram algumas notícias culpando ele, o que não precisa, porque ele já está se culpando sozinho" disse Márcia Pereira dos Santos.

A psicóloga enfatiza que cada família se comporta de um jeito, mas que o comportamento do responsável pela morte, antes do acidente, faz toda a diferença. "Se a pessoa era atenciosa e cuidadosa, será muito mais fácil para que todos aceitem aquilo como acidente", explica. Ela ainda afirma que mesmo que racionalmente se saiba que foi um acidente é muito difícil não culpar o outro e não pensar ‘eu avisei’ ou ‘por que ele foi fazer aquilo?’
Esse tipo de pensamento também invade de forma incontrolável a cabeça de quem se sente culpado. Segundo Rosa Maria, isso pode interferir na qualidade do sono e no rendimento no trabalho, e pode ser caracterizado como um luto patológico. Nesses casos, a ajuda externa é essencial. "A geração de um filho é uma coisa muito primitiva no cérebro. É muito difícil encontrar argumentos lógicos que conseguiam rebater a culpa", enfatiza. Em 2006, um bebê de 1 ano e 3 meses morreu depois de ser esquecido pelo pai durante 5 horas e meia dentro do carro. O bebê sofreu queimaduras de 1º e 2º graus, desidratação grave e parada cardíaca. Na época, o pai contou que diariamente seguia uma rotina, mas no dia do acidente essa rotina foi quebrada e ele esqueceu o bebê no carro que ficou estacionado em frente ao trabalho. A delegada que acompanhou o caso disse que o pai estava com o "piloto automático ligado".

O perdão judicial, concedido normalmente nessas ocasiões, é um instrumento jurídico que livra o responsável por um homicídio ou lesão corporal culposa quando o juiz avalia que as consequências do acidente já produzem punição maior ou igual a de uma sentença. A defesa do pai do garoto que morreu no acidente com o jet ski vai solicitar o perdão. "Esse mecanismo pressupõe a autoria de um crime, mas por uma razão humanitária é concedido o perdão", explica a professora de direito penal e criminologia da Universidade de Brasília, Beatriz Vargas. Segundo ela, nos casos em que é dado o perdão judicial, o juiz entende que a pena "se converteria em uma medida cruel e desumana", completa.
Fonte: F.U
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