sábado, 28 de julho de 2012

Olimpimaníacos

Movidos pela paixão por esportes, colecionadores de notícias e imagens sobre Jogos Olímpicos abrem seus ‘baús’ e mostram verdadeiras relíquias
Raul Andreucci

Os Jogos Olímpicos acontecem a cada 4 anos. Nesse intervalo entre uma Olimpíada e outra, a maioria dos torcedores para de acompanhar os esportes – no máximo, segue firme com o futebol. Alguns poucos, porém, estão aí para comprovar que a paixão não cessa com a última medalha de cada edição da competição mais antiga da humanidade, disputada pela primeira vez em 1896, em Atenas.

A Folha Universal conheceu três loucos por Olimpíada só no Estado de São Paulo, cada um com a sua maluquice particular, sempre atentos aos números, às estatísticas e a todo tipo de notícias e imagens que contam mais sobre as modalidades, seus competidores e suas estrelas. Vale qualquer coisa para seguir antenado.

José Monteiro Teixeira, de 55 anos, por exemplo, teve de fazer um esforço este começo de ano. Recém-casado, adequou o apartamento para "caber" a esposa no meio de seus arquivos olímpicos. "Só o fato de ela não ser contra já é grande coisa", brinca. O aposentado coleciona milhares de fotos e recortes de matérias e resultados sobre Olimpíadas desde 1972. Tem um armário para isso e mais um tanto espalhado pela residência, na capital paulista.

À primeira vista, parece uma bagunça, mas a organização é impecável. Separação por ano, esporte, modalidade e dia do torneio. Muito bem guardado, protegido em sacos plásticos e estoque em caixas lacradas, contra o casal de gatos de potencial destruidor. Para chegar a essa quantidade para lá de considerável, não se faz de rogado. Pede ajuda a estrangeiros, familiares, ex-colegas e políticos. Chegou a receber 15 quilos do Comitê Olímpico Brasileiro (COB).

Depois de reunir um "verdadeiro emaranhado", justifica esse garimpo montando seus cadernos olímpicos (ou "volumes", como prefere dizer). Com calma e tempo, organiza os recortes em 50 folhas de papel, em média, como se fosse uma diagramação à mão, até chegar numa disposição de seu gosto e, enfim, colar tudo. O objetivo, conta, é que dali a alguns anos possa ver no caderno "um panorama de como foi cada Olimpíada". O cuidado milimétrico, de artesão, mostra a missão cumprida em 64 volumes.

O carinho pelo trabalho é tanto que a brincadeira parece séria. "Já falei para a minha mulher que, se tiver um incêndio no apartamento, a primeira coisa a fazer é jogar os volumes lá para baixo. O resto a gente vê depois, dá um jeito, compra de novo". Afinal, são 40 anos de dedicação ao mundo olímpico. "O que me fascina é a superação do ser humano."

Guilherme Giorgi, de 23 anos, envereda por outro caminho. Gosta da análise esportiva, de acompanhar a evolução, principalmente dos brasileiros. "Tem gente que só gosta de ver medalha, mas eu curto também a melhora, aquele cara que, de uma Olimpíada para a outra subiu do 22º para o 11º lugar", esclarece. "É bacana ver o esporte crescendo no País. E uma medalha não se faz de um dia para o outro", diz o produtor do núcleo olímpico da "Record".

Diferentemente de Monteiro, Giorgi aproveita recortes de conhecimento para oferecer ao leitor um panorama de cada um dos esportes olímpicos: quem está arrasando, aqueles que podem surpreender e, como não podia deixar de ser, a situação dos brasileiros. Tudo registrado em seu blog (brasilemlondres2012.blogspot.com) desde a última Olimpíada, em 2008.

Para não perder nada, Giorgi precisa se organizar, pelo menos mentalmente. "Acordo já sabendo o que teve no fim do dia anterior, de madrugada ou terá na manhã, e corro para ver. Mas é óbvio que ás vezes esqueço", disfarça. "Hoje em dia as pessoas estão acostumadas [com a sua loucura por esportes], tiram um sarro de vez em quando, mas nada demais". O importante, admite, é saber o limite. "Gosto muito, quero saber de resultados que pouco interessam para os outros, como, por exemplo, remo. Mas não é por causa de uma competição que vou deixar de ir ao cinema com a minha namorada", informa.

Alexandre Medeiros Jorge de Carvalho, de 38 anos, talvez vá mais longe. Para abastecer seu blog (favoritos2012.blogspot.com.br), reconhece que, se pudesse "nem saía do quarto". Como Giorgi, também faz análises, mas com enfoque mais estatístico. Não faltam números. Com dados de todos os esportes – todos mesmo, de cada uma das modalidades e ainda de masculino e feminino. Para isso, conta com uma memória afiada, enciclopédica, capaz de causar inveja a qualquer comentarista futebolístico.

Na visita da reportagem à sua casa, bastava citar país, ano ou edição numa conversa informal que logo vinha alguma lembrança – olímpica, claro. E geralmente recheada de nomes, nacionalidade, índices, tempos e pódio. Mais rápido do que digitando no Google. Em um fórum de que participou, um cubano, impressionado com seu conhecimento, brincou: "Você nunca dorme?" Alexandre respondeu com uma sinceridade esclarecedora: "Durmo pouco."

Não à toa, os posts de seu blog costumam aparecer madrugada adentro. Sempre com previsões acuradíssimas, detalhadas e certeiras. Claro que conta aí com a ajuda dos livros. Em seu quarto são três armários lotados. "Acho que tenho mais de mil, com certeza. Tinha uma época em que ainda contabilizava, mas parei."

Para ele, ficar horas olhando e comparando números não é nenhum trabalho. "Ah, eu acho isso aqui uma delícia. É uma viagem, né?". E também hobby. A atividade é parte do seu dia a dia desde a adolescência, quando em 1988, na Olimpíada de Seul, escreveu seu primeiro caderninho com previsões de resultados e nunca mais parou, obstinado na busca de mais conhecimento e relíquias, com livros adquiridos em sebos, com vendedores do Leste Europeu ou leilões pela internet.

Para os jogos de Londres, ele já preparou três pontos de gravação. Quer acompanhar toda a programação, como faz há mais de 20 anos. Por isso, não hesita em responder quando questionado se viajaria para assistir in loco. "Não! Quem é que vai documentar tudo para mim?". Pediu, inclusive, dispensa do trabalho durante os Jogos. "Sou louco por esporte."

A voz das Olimpíadas

Melhor do que ser louco por Olimpíada, só recebendo por isso. Guilherme Giorgi conseguiu: chamou a atenção com seu blog e faturou um emprego na "TV Record". José Monteiro e Alexandre Medeiros não escondem o sonho de também chegar lá. Quem sabe possam, um dia, alcançar a marca de Álvaro José Paes Leme, de 53 anos, narrador da emissora, pronto para a 9ª edição dos Jogos Olímpicos.

Não é à toa que, por sua trajetória e conhecimento, ganhou a alcunha de "a voz das Olimpíadas". O que sabe, explica, não precisou ler. "Vivi", diz, orgulhoso. Na rotina para Londres ele acompanha as competições do exterior. "Sou generalista e não especialista. Pratiquei vários esportes, nenhum como craque, e isso me deu uma base."

Álvaro José já esteve em Moscou (1980), Los Angeles (1984), Seul (1988), Barcelona (1992), Atlanta (1996), Sydney (2000), Atenas (2004) e Pequim (2008). "Todas foram marcantes para mim." Com essa bagagem, nada de nervosismo. "Tenho é ansiedade pelos resultados e pela performance do Brasil", diz ele. "A Olimpíada moderna tem 116 anos e os Jogos [Olímpicos] antigos duraram mais de mil anos. Nada que o homem criou foi tão duradouro."

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