Ao contrário do que deveria ocorrer, as linhas de crédito  estão deixando brasileiros endividados. Quase metade da população gasta  mais do que recebe, aponta um  levantamento do Ipea
Rebeka Figueiredo
 A  professora de espanhol Piedade Soares, de 30 anos, e o designer Renato  Costola, de 27 anos, são casados desde 2007 e dividem os gastos de um  apartamento em São Paulo. Há um ano, Costola trocou de trabalho e a  renda do casal caiu para R$ 2,5 mil. Começaram a usar o cartão de  crédito. Um empréstimo foi feito para pagar a dívida. O problema, agora,  são as parcelas do empréstimo. A dívida foi para o cheque especial e o  nome de Costola está na lista dos serviços de proteção ao crédito.
A  professora de espanhol Piedade Soares, de 30 anos, e o designer Renato  Costola, de 27 anos, são casados desde 2007 e dividem os gastos de um  apartamento em São Paulo. Há um ano, Costola trocou de trabalho e a  renda do casal caiu para R$ 2,5 mil. Começaram a usar o cartão de  crédito. Um empréstimo foi feito para pagar a dívida. O problema, agora,  são as parcelas do empréstimo. A dívida foi para o cheque especial e o  nome de Costola está na lista dos serviços de proteção ao crédito.O casal faz  parte das estatísticas que apontam o aumento no endividamento no País.  Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado  em julho, mostrou que 47% dos brasileiros têm dívidas. Para 14% das  famílias, o débito corresponde a mais de 5 vezes a renda mensal. A  inadimplência registrou alta de 19,1% no primeiro semestre de 2012,  segundo a Serasa Experian. O descontrole nos gastos e a inexperiência do  consumidor contribuíram para o problema, de acordo com o assessor  econômico da Serasa, Carlos Henrique de Almeida. "O crédito deve  oferecer qualidade de vida, não pode ser um transtorno. O brasileiro se  endividou acima da capacidade de pagamento", avalia.
Piedade e o  marido estão tentando reorganizar os gastos. Ele terminou os estudos e  foi promovido. Ela faz pós-graduação e passou a ganhar mais. "Anoto o  dinheiro que entra e as contas a pagar. Tudo que sobra vai para a  dívida", brinca Piedade, que passou a fazer uma tabela de despesas. (veja abaixo como organizar as finanças a dois).
 A  falta de experiência levou Yago de Souza, de apenas 19 anos, a uma  dívida de mais de R$ 2 mil. Até julho de 2011, ele pagava a faculdade e  fazia compras no cartão de crédito com o salário de auxiliar  administrativo. "Quando fui demitido, não tinha dinheiro e continuei  usando o cartão", conta. Hoje, ele voltou a trabalhar. "Vou limpar meu  nome para recomeçar a vida, quero voltar a estudar."
A  falta de experiência levou Yago de Souza, de apenas 19 anos, a uma  dívida de mais de R$ 2 mil. Até julho de 2011, ele pagava a faculdade e  fazia compras no cartão de crédito com o salário de auxiliar  administrativo. "Quando fui demitido, não tinha dinheiro e continuei  usando o cartão", conta. Hoje, ele voltou a trabalhar. "Vou limpar meu  nome para recomeçar a vida, quero voltar a estudar."O especialista  em finanças pessoais André Massaro explica que o cartão de crédito não é  o vilão da história. "O segredo do equilíbrio financeiro é gastar menos  do que você ganha", afirma. Ele lembra que o cartão é uma boa forma de  pagamento, mas pode dar a falsa sensação de que o usuário tem sempre  dinheiro disponível. "A pessoa esquece de somar os gastos. É importante  separar o valor da renda que pode ser usado com o crédito", ensina  Massaro. Segundo Almeida, da Serasa, é bom não comprometer mais de 30%  da renda com dívidas. Ou seja, quem ganha R$ 622 por mês pode usar, no  máximo, R$ 186 em compras parceladas. Mesmo assim, cada pessoa deve  analisar suas necessidades.
A  recepcionista Lusinete Natividade, de 45 anos, aprendeu a lição. Há 20  anos, ela chegou a dever para duas operadoras de cartões. "Não sabia  como funcionavam os juros", conta. Ela tomou uma atitude radical e ficou  10 anos sem usar cartão. "Sofri para me acostumar, mas fiz uma  reeducação."
André Massaro  destaca a importância de mudar os hábitos de consumo. "Não adianta pagar  a dívida e continuar gastando como antes", diz. O professor  universitário Ricardo Matheus, de 24 anos, sabe como usar as vantagens  oferecidas pelo cartão de crédito. Ele tem três cartões que oferecem  pontos para serem trocados por benefícios. "Vou viajar de graça para  Nova York em outubro", diz ele, que já ganhou ingressos para filmes e  shows.
Perspectivas
 Apesar  da inadimplência alta atualmente, o número não deve crescer nos  próximos meses. Um indicador da Serasa Experian mostrou que, após  subidas constantes, a inadimplência deve se estabilizar e começar a cair  neste semestre. "O consumidor vai renegociar dívidas e priorizar os  pagamentos atrasados", explica Almeida.
Apesar  da inadimplência alta atualmente, o número não deve crescer nos  próximos meses. Um indicador da Serasa Experian mostrou que, após  subidas constantes, a inadimplência deve se estabilizar e começar a cair  neste semestre. "O consumidor vai renegociar dívidas e priorizar os  pagamentos atrasados", explica Almeida.Já uma  pesquisa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado  de São Paulo (Fecomércio-SP), apontou redução no nível de  comprometimento da renda com dívidas. Segundo o estudo, apesar do  aumento de 6,39% no número de famílias endividadas entre 2010 e 2011, a  renda também cresceu 11,7%. Ou seja, o brasileiro conseguiu gastar um  pouco mais, sem comprometer uma parte maior da renda.
A auxiliar  administrativo Marisa Justino, de 48 anos, fazia compras em uma loja  quando acabou adquirindo o cartão do estabelecimento, após insistência  da vendedora. Ela parcelou a conta e, um mês depois, descobriu que a  primeira fatura cobrava serviços que custavam mais de R$ 30. Marisa  reclamou: "O responsável disse que o valor era referente a um seguro e,  como eu havia assinado o contrato, teria de pagar". A supervisora de  assuntos financeiros do Procon de São Paulo, Renata Reis, alerta que o  consumidor deve evitar a contratação de serviços por impulso. "Nunca  assine um documento na hora, peça o contrato, analise e volte outro  dia", ensina.
Das  reclamações recebidas pelo Procon-SP no segundo semestre de 2011, 67%  estavam ligadas a cobranças indevidas e a contratos de cartões. Renata  fala sobre a importância de conferir o valor da fatura antes do  vencimento. Em último caso, um dos órgãos de defesa do consumidor deve  ser acionado. O envio de cartões sem solicitação também é ilegal. "Exija  o cancelamento", aconselha.
A Defensoria Pública de cada Estado  também pode solucionar problemas com cartões e empréstimos. O defensor  público Horário Xavier, de São Paulo, informa que os cidadãos devem ter  em mãos todos os documentos relacionados a débitos no ato da queixa. "O  contrato é analisado e, se houver cobrança de taxas ou juros abusivos,  nós entramos com ação judicial."
Parceria organizada

Muitos casais  levam meses organizando festa de casamento, chá de cozinha e lua de mel.  Poucos, no entanto, reservam um tempo para discutir as finanças do novo  lar. Marcos Silvestre, educador financeiro e autor do best-seller "12  Meses para Enriquecer" (Ed. Lua de Papel), lembra que os parceiros devem  fazer juntos o planejamento do dinheiro. "Eles precisam traçar um  orçamento de comum acordo, detalhando as principais despesas", ensina.
O escritor  recomenda que os gastos conjuntos, como aluguel e conta de luz, sejam  pagos pelos dois, mas de forma proporcional ao salário de cada um. (veja exemplo acima)  "O mais importante é buscar equilíbrio e harmonia duradouros, assim  nenhum dos parceiros será onerado além do que pode suportar." Gastos  individuais, como cabeleireiro e roupas, podem ser pagos separadamente,  diz Silvestre.
Ele aconselha  que o casal tenha uma conta conjunta para que cada um deposite sua parte  para as despesas. O parceiro mais organizado assume a responsabilidade  de fazer pagamentos, conferir extratos e guardar todos os documentos. "O  ideal é que o casal converse uma vez por mês sobre a vida financeira e  as possíveis mudanças no orçamento."
Compulsão por compras
 Desde  pequeno, João (nome fictício), de 31 anos, fazia compras por impulso,  mas o hábito virou um problema na fase adulta. "Todos os dias, comprava  coisas que não precisava". Em 3 anos, ele acumulou uma dívida de R$ 40  mil que não conseguia pagar.
Desde  pequeno, João (nome fictício), de 31 anos, fazia compras por impulso,  mas o hábito virou um problema na fase adulta. "Todos os dias, comprava  coisas que não precisava". Em 3 anos, ele acumulou uma dívida de R$ 40  mil que não conseguia pagar.Há 4 anos João  frequenta as reuniões dos Devedores Anônimos, grupo que reúne pessoas  que têm em comum a compulsão financeira, mas ainda não está curado.  "Estou em tratamento."
A especialista em consumo compulsivo do  Hospital das Clínicas de São Paulo, Tatiana Filomensky, explica que a  compulsão por compras (ou oniomania) pode estar ligada a fatores  emocionais. "O comprador busca prazer e alívio para ansiedade, raiva e  angústia." O tema foi abordado na comédia "Delírios de Consumo de Becky  Bloom" (foto), em 2009: Rebecca (Isla Fisher) é uma jornalista  endividada que se torna colunista de finanças e passa a fugir de  credores e do passado de consumo sem limites. Na vida real, a jornalista  Mara Luquet chegou a falir. No livro "Tristezas Não Pagam Dívidas"  (Saraiva), ela conta como recuperou a saúde financeira.
 
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