sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Isca para crianças

Enquanto redes de fast-food seduzem pequenos consumidores com brinquedos, pais questionam ação e projeto de lei quer proibir vendas casadas

Fernando Poffo | Arte: Edi Edison sobre foto Fotolia

Empresas que tratam como brincadeira a formação das crianças – e abusam de ações mercadológicas nas quais dialogam diretamente com o público infantil – são comuns no Brasil e dificultam a vida dos pais na hora de educar os filhos. Assediadas por brinquedos e personagens do universo infantil, as crianças acabam escolhendo o lanche de acordo com o brinde que o acompanha. 

“Eu não queria vir aqui nem venho normalmente, mas meu filho queria o brinquedo de qualquer jeito. Além de vir e gastar, tive que comer o lanche dele”, reclamou a advogada Nilda Tomaz, ao sair de uma lanchonete com os filhos Henri, de 5 anos, e Emily, de 3, que também quis o brinde oferecido com o kit de sanduíche, refrigerante e batata frita.

A escolha do que comer de acordo com o brinquedo não é exclusividade dos filhos da advogada. Maria Fernanda tem 2 anos e 8 meses e já fica atraída com os anúncios da televisão. O comprador Felipe Manente Domingues, de 37 anos, e a secretária Louise, de 33 anos, dizem que a menina pede a eles os brinquedos que vê na tela. “Ela fica encantada e pede um lanche que nem saudável é”, protesta o pai, favorável a uma lei que regulamente as propagandas infantis.

Em Florianópolis (SC), a venda de lanches acompanhados de brinquedos e brindes está proibida por lei desde junho, apesar de a fiscalização não ser intensa. Em Belo Horizonte (MG), lei semelhante chegou a ser aprovada, mas foi vetada e há apenas regulamentação para lanchonetes também venderem brinquedos isoladamente. 

Em São Paulo, a Fundação Procon multou o McDonald’s em R$ 3,192 milhões pela prática de venda de alimentos com brinquedos, por uma ação de 2010 referente à venda do kit do Mc Lanche Feliz, após denúncia do Instituto Alana, organização não-governamental (ONG) que trata de consumo infantil. Mas a rede mantém a venda casada de lanche com brinquedos, amparada por um Termo de Ajustamento de Conduta celebrado com o Ministério Público Federal – e passou a vender o brinquedo separadamente também (veja cópia de cupom fiscal na foto ao lado). O mesmo expediente é adotado por outras redes, como a do Habib’s. 

“Existem órgãos do poder público, como Procons, Ministério Público Federal, Estadual, Ministério da Justiça, que podem atuar na questão, mas não foram criados especificamente para fiscalizar a publicidade abusiva”, explicou a diretora de Defesa e Futuro do Instituto Alana, Isabella Henriques. “Esse caso do Procon e do McDonald’s mostra a dificuldade de, sem uma lei específica, os abusos serem contidos de maneira uniforme. A multa foi relativa  a algumas promoções e não ao conceito em geral, então novas promoções para serem questionadas precisam de processos novos.”

Apesar da dificuldade, a ONG segue a luta para tentar mudar a legislação para as propagandas. “O Instituto Alana é contra qualquer tipo de comunicação mercadológica que fale diretamente com o público infantil. Diversos estudos comprovam que o indivíduo até 12 anos de idade está em fase de desenvolvimento e não possui o discernimento como o de um adulto”, comentou Isabella, usando o mesmo argumento do senador Eduardo Amorim, que teve projeto de lei sobre o tema aprovado em agosto na Comissão do Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) do Senado. 

A Associação Nacional de Restaurantes, assim como o McDonald’s e o Habib’s, por meio de suas assessorias de imprensa, não quis comentar a lei proposta por Amorim, que prevê a proibição da publicidade e a venda de refeição rápida acompanhada de brinquedos, brindes ou objetos de apelo infantil. A proposta ainda será examinada pelsa comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e Assuntos Sociais (CAS) antes de ser encaminhada para avaliação da Câmara dos Deputados. 

Para defender seu projeto, Amorim citou o problema da obesidade infantil e lembrou recomendações internacionais voltadas à saúde pública. Alguns pais questionam a lei, como a jornalista Cibele Leão, de 29 anos, que comprou um kit com lanche e brinquedo para a filha Marina Leão Fidelis, de 3 anos, no dia 29 de agosto. “Ela queria o brinquedo e só comeu a fruta do kit. Acho que uma proibição é incorreta porque cabe aos pais monitorar. O governo poderia colocar educação alimentar na grade curricular da escola e não impor leis”, opinou Cibele, que diz não se incomodar com a vontade da filha pelos brindes.

O brinquedo era o único motivo para Pedro, de 9 anos, ir às lanchonetes. “Eu prefiro carne”, explicou o garoto. Sua mãe, a médica Regina Paes, apoia a proibição. “Esses lanches não têm nada de bom. E ele nunca gostou. Faz uns 5 anos que não pede mais. Já passou da fase.” O projeto de lei do senador Eduardo Amorim tem apoio do Instituto Alana, que vê necessidade de se regulamentar todos os segmentos. “Se houver interesse real de que ocorra a diminuição da obesidade na população, é preciso uma política pública com relação à publicidade. Na área da infância, o ideal é não haver nenhum tipo de publicidade que fale diretamente com esse público”, disse Isabela.

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