sábado, 8 de setembro de 2012

‘República’ de Adultos

Comuns entre universitários, moradias coletivas viram opção econômica para quem já deixou de frequentar a faculdade

Rebeka Figueiredo | Arte: Eder Santos



A troca de experiências, a economia de dinheiro e a possibilidade de morar em espaços confortáveis e bem localizados têm levado adultos com bons empregos e curso superior a dividir a casa com pessoas que não fazem parte da família e que, muitas vezes, nem se conheciam antes da parceria.

É o caso da psicóloga Andrea Cristina, de 27 anos, que vive com mais três pessoas em um sobrado alugado na época em que ela ainda era estudante. O lugar tem duas salas, quatro quartos, área externa com jardim e mobília dos anos 1950 herdada do bisavô dela. “Nunca chamei esse espaço de república, é uma casa de família.”

Para Ana Bock, professora de psicologia social da PUC-SP, dividir uma casa é um processo parecido com o casamento. “Cada pessoa traz hábitos diferentes, mas, quando estão dispostas a mudar, isso permite a inauguração de uma nova cultura”. Segundo ela, morar com outros por opção leva a “decisões de crescimento”. “A pessoa vai ser cutucada pela forma de ser do outro. Isso traz movimento e mudanças. Ela sempre vai tomar alguma decisão importante. Vai tolerar, ou conversar, fazer uma grosseria ou mesmo mudar de casa”, diz.

O Brasil já é o principal mercado de aluguel de quartos na América Latina, segundo o EasyQuarto, site para locação de dormitórios pela internet presente em 37 países. O portal recebe 200 mil visitas por mês no País. A procura maior é de profissionais (52%), seguido por estudantes (41%). “A demanda é muito forte em todas as cidades, e isso deve crescer”, diz Dennis Volkmann, gerente do site no Brasil, acrescentando que São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Curitiba e Porto Alegre são as cidades mais procuradas. 

Andrea Cristina conta ter ficado incomodada com a falta de interação dentro da casa logo que chegou. “Aqui não é só um lugar funcional para dormir”, define. A estudante de Rádio e TV Amália Viana, de 24 anos, mora com Andrea desde que chegou da Bahia, há quase 4 anos. “A vantagem é que a gente se respeita. Quando discordamos de algo, falamos abertamente”, diz Amália. Andrea reclama que às vezes falta iniciativa de alguns moradores. “O ideal é que todos tenham bom senso, que vai de lavar a louça a pagar as contas.”

A casa ainda é formada pela comunicóloga Mirley, de 29 anos, e pelo economista João, de 24 anos, que chegou há 6 meses e já provocou mudanças quanto à integração do grupo. Foi João quem incentivou uma pequena reforma no local, executada com a ajuda de todos.


Integração é a palavra que define um apartamento duplex localizado em uma das regiões mais agitadas da capital paulista e habitado por oito mulheres, entre 19 e 29 anos. A moradora mais antiga é a designer gráfico Letícia Anguito, de 23 anos, que vive ali há 4 anos. “Quando cheguei, minha irmã mais velha já morava aqui com amigas. Não sabemos quem trouxe os sofás e a mobília. Até o ano passado, o contrato de aluguel estava assinado por uma ex-moradora que hoje vive na França”, brinca Letícia.

A reportagem da Folha Universal foi recebida com um convite para o jantar. O arroz de forno com calabresa e queijo foi preparado pela designer de produtos Natália Yatye, de 23 anos, na casa desde fevereiro. “Nunca tinha morado com tantas pessoas, mas não é difícil como eu pensava. Ninguém fica sozinha.”

Ivi Silva, de 29 anos, que mora há 18 meses no apartamento, tem a mesma opinião. “São várias ideias, vira uma conversa coletiva. Quando alguém está triste, tentamos ajudar”. Mas não foi sempre assim, acrescenta Letícia. “Já moramos com pessoas que não pensavam no grupo. Hoje, temos uma formação equilibrada, com espírito de coletividade.” Para a psicóloga Ana Bock, as moças estão no caminho certo. “A franqueza e o acolhimento sempre ajudam. É mais gostoso quando as pessoas buscam a convivência afetiva.” 

Na ampla sala do apartamento, as garotas se reúnem para ver seriados na televisão, conversar sobre o dia a dia e organizar festas. O espaço é ocupado por quatro sofás, um colchão de casal, duas mesas com computadores e uma prateleira com livros e DVDs. 

A organização, admitem as meninas, é a principal dificuldade. “São muitas pessoas, acaba ficando bagunçado”, argumenta Letícia. Uma faxineira ajuda na limpeza uma vez por semana. Quando a bagunça cresce, elas conversam e deixam bilhetes. “Na casa dos pais temos comodidade. Aqui, se deixar bagunçado, vai ficar”, conta a assistente de marketing Thais Avelar Reis, de 23 anos, que está há 1 ano e 8 meses no local e há 90 dias levou a irmã Flávia, de 19 anos, para morar com o grupo. “É um desafio, mas somos uma família”, declara a designer de produtos Michele Hori Mendes, de 23 anos. Há 2 anos e 5 meses ela mora no local com a radialista Natália, sua irmã gêmea. “Precisamos ter paciência, relevar e abrir mão de algumas coisas. Sou mais independente, amadureci”, diz a radialista.

O fator financeiro também pesou na decisão das garotas para dividir a moradia. Apenas em São Paulo, o valor da locação de imóveis residenciais subiu 11,87% nos últimos 12 meses, segundo o Sindicato da Habitação (Secovi-SP). O Índice Geral de Preços - Mercado (IGP-M), usado para reajustar a maioria dos contratos de aluguel, também subiu 1,38% na segunda prévia de agosto, de acordo com a Fundação Getúlio Vargas (FGV). No ano, o índice acumula alta de 6,02% e, em 12 meses, de 7,68%. 

Para João Maria Andrades, professor de Economia Familiar da Universidade Estadual do Oeste do Paraná, o compartilhamento é uma boa opção para pessoas que precisam economizar. “Solteiros e separados podem se juntar em grupos para racionalizar os custos e conviver com indivíduos em situação semelhante. Isso ajuda na inserção social e na relação com os amigos”, analisa. 

Foi o que fez a auditora Mauridete Oliveira, de 31 anos, que, após separar-se do marido, vive há 3 meses com uma colega de trabalho. “Estou gostando e me sinto segura. No mês passado, viajei para a China e a casa não ficou abandonada”.

Já o arquiteto Lucas Basaglia, de 26 anos, divide o apartamento de três quartos do pai dele, localizado em uma região nobre de São Paulo, com um administrador e um designer. “Somos muito tranquilos. Todos deveriam morar com amigos para aprender a se organizar”, aconselha o arquiteto, que poupa dinheiro para o futuro economizando com a divisão.

A cientista social Carla Diéguez, docente da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, destaca que o aspecto econômico é importante, mas algumas mudanças na sociedade podem indicar outros motivos. “Há uma tendência de homens e mulheres permanecerem solteiros por mais tempo, ou se separarem após um relacionamento amoroso. Essas pessoas não querem mais ficar na casa dos pais, mas não perdem de vista a possibilidade de compartilhar a sua vida”, diz Carla, acrescentando que morar junto é gratificante, mas se a decisão for apenas financeira, problemas podem aparecer. 

Na opinião da cabeleireira e maquiadora Camila de Souza Laurindo, de 27 anos, o barato às vezes sai caro. Bem localizada e com preço baixo, a pensão onde mora tem regras rígidas e os moradores não se comunicam. “Não posso trazer nem minha mãe aqui.” Viver em espaços de confinamento pode levar ao isolamento, analisa João Maria Andrades.

Superar desafios é a missão diária

No apartamento das oito moças, não há regras definidas e tudo é conversado. Durante a manhã, por exemplo, elas respeitam o horário de trabalho de cada uma para definir a ordem de uso do único banheiro. Todo mês, uma dupla fica responsável por fazer as contas das despesas coletivas. Para facilitar a comunicação, o grupo criou uma conta na rede social Facebook, além de trocar e-mails durante o dia. “Compartilhamos coisas divertidas”, explica Letícia Anguito. Na sala, uma coleção de 100 esmaltes serve de salão de beleza coletivo. As garotas também organizam festas com os amigos. No ano passado, uma confraternização reuniu mais de 70 pessoas e gerou reclamações. “O zelador não gostou e a casa ficou toda suja”, relembra Letícia.

Já no sobrado onde vive Andrea Cristina, uma festa ajudou a arrecadar dinheiro para a geladeira. “Um amigo desenhou o convite, distribuímos na faculdade e trouxemos uma banda”, diz Andrea. A psicóloga conta que outra festa com os atuais moradores foi responsável pelo estreitamento dos laços entre eles. As despesas coletivas ficam presas com ímãs na geladeira e o grupo tem uma conta conjunta no banco. Andrea reclama de louças mal lavadas. Para resolver, ela criou um sistema de duas buchas: uma apenas para lavar copos, e outra para lavar pratos e panelas. Amália Viana também não gosta de sujeira. “Tem gente que faz coleção de copos na pia”. Para evitar o desperdício de água, Andrea junta as roupas de todos na máquina de lavar. “Morar junto é um exercício de tolerância, temos estilos diferentes, mas conseguimos uma sintonia”, resume Andrea.

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