domingo, 28 de agosto de 2011

Ela comanda um petroleiro

Primeira mulher a assumir o cargo mais importante de um navio da Marinha, Hildelene muda a história e mostra que o lugar delas é no leme 

Talita Boros
 

Há dois anos no comando de um navio-tanque, a paraense Hildelene Lobato Bahia, de 37 anos, é a única brasileira no posto mais alto da hierarquia marítima brasileira. Formada em Ciências Contábeis pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Hildelene já passou mil e setecentos dias a trabalho no mar e atravessou oito vezes o Estreito de Magalhães, que une os oceanos Pacífico e Atlântico, no extremo da América do Sul. Pioneira, a paraense abriu espaço para todas as mulheres que desejam seguir carreira na Marinha Mercante do Brasil e alcançar a função de comandante, antes privilégio apenas dos homens.

Hildelene conta que quando era mais jovem não pensava em integrar a esquadra. Mas decidiu fazer o concurso público em 1997, para incentivar o irmão que tinha o sonho de integrar o quadro da força naval. Na época, ela estava na universidade e não imaginava que passaria na etapa eliminatória, que tinha provas teóricas de Matemática, Física, Língua Estrangeira e outras disciplinas. “Confesso que achava que tinha sido eliminada devido à falta de tempo para os estudos”, relembra. Hildelene estagiava o dia inteiro e estudava para outro concurso público. Ao contrário das expectativas, ela passou e foi selecionada para a última fase, a dos testes físicos. Naquele momento, Hildelene ficou frente a frente com seu primeiro grande desafio: enfrentar a água, porque não sabia nadar. “Quando saiu a classificação, procurei meu antigo professor de educação física e aprendi a nadar em 15 dias. Na prova de natação, para a minha surpresa, fui a primeira colocada”, conta. Desde então, a paraense passou por diversos cargos dentro da Marinha até chegar ao atual, a de comandante de navio.

Casada há 7 anos e hoje moradora do Rio de Janeiro, ela conta que também é graças ao mar que conheceu o marido. “Ele também é marítimo e um dos maiores incentivadores da minha carreira, junto com meus pais”, diz. Para conciliar família e trabalho, os dois tentam agendar juntos os períodos que ficam no navio. “Eu trabalho no regime de 90 dias embarcada por 30 dias de repouso”, explica. O petroleiro que Hildelene comanda, o Carangola, da Transpetro (ligada à Petrobras),  transporta derivados escuros de petróleo entre portos dos litorais brasileiro, uruguaio e argentino. No momento, ela e a equipe trabalham no escoamento da produção de óleo dos campos de Urucu, em Coari (AM), para a refinaria de Manaus.

No comando de 40 pessoas, a maioria esmagadora de homens (38 contra 2 mulheres), Hildelene afirma que não se intimida em dar ordens a eles. “A aceitação no comando do navio é igual, independentemente do sexo”, pondera. Apesar da afirmação, a comandante conta que ao passar pelo Bahrein, no Oriente Médio, em uma de suas viagens, sentiu claramente a diferença de ser mulher numa profissão historicamente masculina: “Quando cheguei ao estaleiro, coloquei meu macacão, fui para o convés verificar o andamento dos serviços e vi aquela diversidade de indianos, nepalenses e árabes. Percebi que todos pararam para me olhar, pois não era comum uma mulher como imediato em navios e, muito menos, dando ordens aos homens a bordo.”

Hildelene diz que as mulheres devem investir na carreira na Marinha, porque a área tem crescido com a expansão dos estaleiros brasileiros. “O diferencial feminino está nos detalhes e na visão mais aguçada para tomar decisões”, diz. Em breve, ela vai quebrar outro tabu ao dividir os dois postos mais altos da Marinha com outra mulher, Vanessa Cunha. Como comandante e imediato, elas vão liderar o navio Rômulo Almeida, uma das 49 novas embarcações em construção para a Transpetro.


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