segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

Quando comer vira compulsão

O desejo incontrolável de comer afeta 140 milhões de pessoas no mundo, não só as obesas – e em especial as depressivas. Algumas são vidradas só num alimento. Em outros casos, a vontade insana é variada
Fernando Poffo



“A minha droga está na minha frente todo dia, 24 horas por dia e não posso simplesmente falar ‘chega’, porque tenho de cuidar da minha casa e alimentar a minha família. Passo 24 horas cuidando da minha droga e sou testada o tempo todo.” Com esse desabafo uma viciada em comida, que faz tratamento em São Paulo, explicou o drama que vive para se controlar e não cair na tentação de comer sem parar. Envergonhada, pediu para não revelar seu nome.

A compulsão alimentar é a necessidade de comer uma grande quantidade de determinado alimento num tempo razoavelmente curto, explica o psiquiatra e nutrólogo Arthur Kaufman. Segundo ele, o vício  deve ser tratado com medicação e psicoterapia. Dieta controlada e atividade física também ajudam. Hoje, a compulsão alimentar afeta 2% da população mundial (cerca de 140 milhões de pessoas), especialmente as mulheres, e 30% dos obesos.

A advogada Marcela (nome fictício), de 30 anos, sofre com isso desde a infância. Ela fez vários regimes até recorrer ao grupo Comedores Compulsivos Anônimos (CCA). Após quatro reuniões, ela está animada para entender as razões que a fazem comer sem parar diante de uma travessa de doces, sua maior tentação. “Acho que a gente busca a comida como refúgio, para compensar outros problemas”, diz Marcela, que, devido ao peso, teme as doenças que possam surgir em razão da alimentação desregrada.

Diabetes e pressão alta são exemplos de problemas que podem aparecer, segundo Eunice,  de 66 anos, que está há 6 no programa do CCA. Ela já perdeu mais de 40 quilos e está orgulhosa por finalmente parar de beber refrigerante, sua segunda maior droga, como define. Mas evita falar de coxinha e empadinha, pois fica com desejo.

Mais tranquila e experiente, aos 84 anos, Idalina (nome fictício) agradece ao programa que frequenta há 20 anos, que a ajudou a perder mais de 50 quilos e a esbanjar saúde. A senhora que, no passado, “comia de tudo o dia todo”, hoje parece ter bem menos que 84 anos e diz se controlar diante de qualquer comida. Como ela, Oscar, o ex-astro do basquete, que já foi viciado em bombom, hoje é capaz de evitar exagero.  (leia mais sobre famosas bocas nervosas)

O CCA trata como viciado aquele que em algum momento come irracionalmente e não sabe por que isso ocorre, pois já perdeu o poder de escolha sobre a comida, uma situação que ocorre também com quem não é obeso (veja teste ao lado). Para a pessoa perder o vício de um ou mais alimentos, o CCA usa o método dos Alcoólicos Anônimos, com as mesmas apostilas dos que precisam parar de beber, com os lemas “só por hoje” e “só por essa refeição” trabalhados à exaustão.

Uma pesquisa coordenada por Paul Kenny, do Instituto de Pesquisa Scripps, na Flórida (Estados Unidos), examinou a reação de alimentos gordurosos nos cérebros de ratos e constatou que o mecanismo molecular que leva indivíduos ao vício em drogas é o mesmo que está por trás da compulsão por comida. Assim como ocorre com substâncias ilícitas, é muito difícil largar o vício por comida não saudável. “A pesquisa revelou evidências convincentes de que a dependência de drogas e a obesidade têm base nos mesmos mecanismos neurobiológicos subjacentes”, disse Kenny em artigo científico, ressaltando que os animais comiam compulsivamente salsichas e bacon mesmo sob choque elétrico. “Eles procuraram sistematicamente o pior tipo de comida e ingeriram o dobro das calorias dos outros ratos. Quando removemos a ‘junk food’ (lixo de comida), eles se recusaram a comer”, disse Kenny. “O consumo exagerado de comida muito saborosa é um gatilho para uma resposta neuroadaptativa semelhante ao vício nos circuitos de recompensa do cérebro. Isso leva à obesidade e à dependência de drogas”.


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