segunda-feira, 16 de julho de 2012

Autoestima

Às vezes em alta, outras nem tanto, a coragem de encarar a si próprio é um desafio que homens e mulheres precisam enfrentar, e cabe a cada um a decisão de ficar ou não de bem com a vida
Raul Andreucci



Como está sua autoestima? Calma, não precisa responder de imediato. Antes de pensar em todo o tipo de problema e constatar que ela anda lá embaixo, comece entendendo que "autoestima é a coragem de ser quem você é". A afirmação é do psicólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Hélio Roberto Deliberador. A nova pergunta, então, é: como está a coragem de ser você mesmo?


Apesar de conviver com lúpus há 5 anos (uma doença autoimune, que ataca células e tecidos saudáveis do organismo em vez de apenas destruir bactérias) e saber que o mal ainda não tem cura, a consultora de moda Astrid Sekkel, de 47 anos, adianta-se para mostrar que não há obstáculo para sua alta autoestima. "Agora estou numa fase feliz, as coisas começaram a se ajeitar. No começo, tive depressão, fiquei arrasada. Demorei para assimilar. E hoje, de tão bem, brinco com as amigas que sou a ‘musa do lúpus’", diverte-se.


Astrid, porém, não ficou com a autoestima em dia num piscar de olhos. Teve um ano de sofrimento, com dores nas articulações, fadiga, cansaço, tentativas frustradas de tratamento e dificuldade até para um simples cuidado com o cabelo. "Lavar era o pior momento da semana, todos os fios iam para o ralo. Para uma mulher, isso é bem complicado", lembra.


Acostumada a sempre trabalhar, ela se viu perdida na primeira e segunda semanas em que ficou parada, assistindo tevê. "Só de imaginar todo mundo no serviço, chorava sem parar. Fiquei deprimida por não poder fazer o que estava acostumada a fazer. Para sair da cama era triste", conta.


Astrid teve muito medo nessa fase "de morrer e deixar os filhos", mas decidiu enfrentar a doença e ir atrás de algo "para encher a cabeça". Em decorrência dos altos e baixos dos sintomas, não podia se submeter a situações de extremo cansaço. Decidiu-se por um curso de moda e encontrou a vocação para atender "pessoas grandes".


O resultado foi o blog "Maior Estilo", que dá dicas para os gordinhos se vestirem. A página na internet é uma forma de ajudá-los a levantar a autoestima e também de oferecer seu serviço de consultoria personalizada. "Ainda não ganho dinheiro, então o que faço é quase um trabalho social", conta. "Respondo e-mail até de empregada doméstica do Maranhão e percebo o quanto as pessoas ficam felizes com o que posso ajudar. Isso, para mim, é uma alegria."


Na avaliação de Deliberador, a postura de Astrid "pode ser uma capacidade que temos, infinita, de adaptação". Ele acredita que "às vezes, quem tem um desafio por uma limitação apresenta uma força maior ainda". Astrid diz que a doença a ensinou. "É preciso acreditar sempre e, claro, fazer sua parte, cuidar da saúde, da alimentação e nunca perder o bom humor", aconselha.


Não pense você que reerguer a autoestima significa viver bem consigo mesmo eternamente. "Tem dias que entro em crise. Relaxo, pego um livro e penso: amanhã já vou estar boa de novo", confessa Astrid.


Deliberador confirma que é impossível estarmos sempre com a autoestima elevada e nem é tão simples como parece. "Requer um trabalho pessoal, de progressivo amadurecimento. E o importante é também ser capaz de conviver com questões que são inevitáveis, de não estar bem, de perdas, traumas e outras situações da vida", diz ele.


Um estudo da Fundação Joseph Rowntree, do Reino Unido, apresenta uma tese interessante sobre o assunto. O professor de psicologia social Nicholas Emler, autor do trabalho, diz que hoje "as pessoas desejam autoestima, assim como desejam prosperidade, um físico saudável e liberdade de pensamento". É como se, num mundo ideal, a autoestima fosse mais um item a que todos têm direito no mundo moderno. Sem autoestima, a "culpa é dos outros".


Deliberador entende que é normal, próprio do ser humano, sempre querer ser alguma coisa. O problema é que as tais coisas geralmente estão ligadas a um ideal de perfeição. "E, por isso, difíceis de serem alcançados, em razão de condições desiguais. Há certas habilidades e qualidades que algumas pessoas conseguem com mais facilidade e outras não", esclarece.


Como, então, não cair na armadilha? A jornalista Gisela Rao, de 47 anos, tratou de resolver o assunto vigiando sua autoestima por um ano no blog "Vigilantes da Autoestima". "Achei que poderia ajudar a mim e a outras mulheres". E acertou. O sucesso a tornou especialista no tema, e os textos viraram o livro "Não comi, não rezei, mas me amei" (Editora Matrix).


Durante sua pesquisa de 365 dias e a constante interação principalmente com leitoras, ela percebeu que a grande causa de sua baixa autoestima e da maioria era o amor. "A prioridade das mulheres, desde que nascem, é essa. Se uma coisa é prioridade, você corre o risco de fazer com que vire o centro do seu universo. Aí é que vem os problemas", opina.


Sua tese indica a necessidade de variar os investimentos da vida. Depender de apenas um, em caso de fracasso, pode te deixar na mão. "Por isso, decidi passar um ano sozinha, só me curtindo. A coisa mais importante foi perceber como eu era uma pessoa legal. Fortaleci minhas amizades, meus hobbies, viajei e descobri que não precisava correr atrás de alguém."


E, justo nesse momento, ela conheceu seu atual marido, com quem está casada há pouco mais de um mês. "Eu já podia escolher, não era uma questão de necessidade. E aí encontrei o pote de ouro no fim do arco-íris com a consciência, como disse na cerimônia de casamento, que não é ele quem me faz feliz, que ele não me completou, e, na verdade, complementou".


Gisela continua com o blog e mantém um grupo de mulheres que se encontra periodicamente para compartilhar experiências e trabalhar a autoestima. "O lobo mau é interno, a gente é que se sabota e não permite as coisas boas sem nem perceber."


Na opinião de Deliberador, os homens não estão livres dessa paranoia. "A diferença é que são um pouco mais guardados, revelam menos o que vivem e sentem. A questão que não tem separação de gênero, é humana. Os desafios são iguais para todos nós", afirma.


Autocompaixão: parece a mesma coisa, mas não é




Para a psicóloga americana Kristin Neff, estamos todos correndo no sentido errado. Em vez de aumentar a autoestima, a professora da Universidade do Texas defende no livro "Self-Compassion", ainda não traduzido para o português, que devemos trabalhar a autocompaixão.


Parece tudo a mesma coisa, mas não é. A autoestima é uma autoavaliação do quanto somos bons ou ruins no geral, mas com frequência deturpada. "Uma defesa egocêntrica em que admitir estar apenas na média é um insulto", esclarece a autora. "Autocompaixão, ao contrário, é uma forma de se relacionar consigo mesmo, de maneira gentil ou não."


A linha que separa os dois conceitos é tênue. Há o risco, inclusive, de cair na autoindulgência, permitindo-se situações que podem ser prejudiciais a longo prazo e até machucando a si próprio por bobagens. Para evitar isso, Kristin recomenda perguntar a si mesmo: "Eu falaria assim a um amigo numa situação parecida? Se não, recomece a conversa sendo gentil, encorajador e se apoiando", ensina.


A psicóloga acredita que, do modo como pensamos a autoestima hoje, alcançando um alto nível tão somente fora de nós e às custas de depreciar quem está ao redor, está longe do saudável. "É preciso entender a realidade de que ninguém é perfeito e não podemos ser sempre os melhores em tudo", recomenda. Reconhecendo nossa humanidade podemos mais facilmente ver que o sofrimento é parte da experiência humana e não estamos sozinhos. "E a autocompaixão está sempre lá quando a autoestima cai, por qualquer erro ou falha", afirma.


Mudar expectativas pode ser a solução


Um dos métodos mais respeitados de combate à baixa autoestima é o do psicólogo Melanie Fenell, da Clínica Psicológica do Centro de Terapia Cognitiva de Oxford, da Inglaterra. Para ele, o mais importante é encontrar o gatilho que faz a autoestima cair. Pode ser um lugar, uma tarefa, uma pessoa ou a combinação dos três. Nessa etapa, ensina, é preciso refletir se existe alguma situação da qual a pessoa não consegue sair e se há alguma outra em que nem se imagina enfrentando.


Fennel sugere que se organize tudo e mais perguntas sejam feitas para que se crie uma discussão interna: qual é a minha expectativa?; por que me afeta tanto?; o que acontece quando estou ansioso neste momento?; nessas horas, penso mais no pior que pode acontecer ou sinto no corpo?; o que realmente acontece comigo nessas situações?; estou sempre certo em esperar o pior?; o que não estou fazendo e o quanto isso contribui para minha depressão?


As respostas devem ser pensadas e anotadas sem pressa. A reflexão pode levar meses. O segredo é perceber quais são as reais questões que minam a autoestima e tentar mudar as expectativas. Alguns assuntos podem não ser tão simples, mas não é motivo para desistir. Nesse hora, diz Fennel, talvez seja o caso de buscar ajuda médica.

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