terça-feira, 10 de julho de 2012

Solidariedade inusitada

Dentes de leite, sangue menstrual e gorduras de lipoaspiração colaboram com a ciência e podem salvar vidas
Içara Bahia

É provável que você já tenha ouvido falar em doação de sangue, de órgãos e até de leite materno, mas o altruísmo e a vontade de colaborar com a ciência vão além. Alguns resíduos do corpo humano que a maioria das pessoas joga no lixo têm utilidade. Se forem doados, dentes de leite, gordura de lipoaspiração e até sangue menstrual ajudam a medicina a evoluir no desenvolvimento de pesquisas e podem salvar vidas.


Os pesquisadores ouvidos pela dizem que esses materiais são usados principalmente em estudos sobre as células-tronco, para identificar a potencialidade de regeneração e divisão desse tipo de organismo vivo.


Um exemplo é a pesquisa com dentes de leite. As células encontradas na polpa do dente, logo após a queda natural, são usadas para a produção de neurônios, destinados a estudos em laboratório. "O objetivo principal do projeto é usar células de polpa de dente de pacientes com autismo para estudar a doença, mas aceitamos doações de pacientes que não têm autismo, pois as células são usadas como controles comparativos", explica a pesquisadora Patricia Beltrão Braga, responsável pelo projeto entitulado "A fada do dente", do Laboratório de Células-Tronco da Faculdade de Veterinária da Universidade de São Paulo (USP).


Patrícia reforça que as células são usadas unicamente para as pesquisas e, por isso, não podem ser utilizadas para introdução em pacientes. As doações podem ser feitas por pessoas de todo o País, mas o dente precisa chegar muito rapidamente ao laboratório. "No máximo, em até 48 horas após a queda", esclarece a pesquisadora. Quando o dente estiver amolecendo, os pais devem entrar em contato com os pesquisadores, por e-mail, para que possam receber em casa o kit adequado para coleta e armazenamento. Assim que cair, o dente deve ser imerso no material recebido e enviado para a equipe o mais rápido possível. Para esse estudo, dentes que já caíram e permaneceram guardados não podem ser doados, pois as células da polpa já morreram.


A gordura retirada durante uma cirurgia de lipoaspiração também pode ser colocada a serviço da ciência. O material analisado pode recompor músculos e tratar distrofias musculares que causam limitações aos movimentos. "O que seria lixo hospitalar a gente utiliza para pesquisas. A gordura retirada durante a lipoaspiração é subcutânea e, por isso, a retirada é menos invasiva do que se fossemos optar por gorduras das camadas mais profundas do corpo", explica a pesquisadora do Centro de Estudos do Genoma Humano (CEGH), da USP, Juliana Gomes.




O paciente que pretende fazer uma lipo e deseja doar a gordura retirada deve entrar em contato com o CEGH para que os pesquisadores orientem os médicos sobre as formas de coleta e armazenamento do material. "Não fazemos a lipoaspiração, apenas aceitamos as doações, que podem ser de pacientes de qualquer idade, sem restrição", avisa Juliana.


No caso do sangue menstrual (que possui células mesenquimais, que têm alta capacidade de autorrenovação e potencial para formar músculos, ossos, gordura e até cartilagem), os laboratórios do Centro de Estudos do Genoma Humano da USP utilizam o material, entre outros, para investigar a diferenciação da célula-tronco para a formação de músculos.


"Neste momento, estamos pesquisando células do sangue menstrual de duas faixas etárias específicas: de jovens com menos de 15 anos e mulheres com mais de 45 anos", afirma a pesquisadora Mayra Pelatti.




Para fazer a doação é preciso receber instruções sobre a coleta. A doadora deve utilizar um coletor, em forma de taça, lavável e reutilizável, por 2 ou 3 horas. Em seguida, o material deve ser armazenado num recipiente fornecido pelo grupo de pesquisa. Quem doa precisa morar em São Paulo e deve preencher um formulário para autorizar a utilização do material para estudos.


O cabelo é outro material que pode ser doado, mas não para estudos científicos. Nesse caso, os fios servem para a confecção de perucas para as mulheres escalpeladas assistidas pela ONG dos Ribeirinhos Vítimas de Acidentes de Motor (Orvam), sediada no Pará. O escalpelamento é comum em comunidades próximas aos rios, onde o barco é o meio de transporte mais utilizado. Acontece quando o cabelo de alguma passageira se prende ao eixo do motor das embarcações, que arranca o couro cabeludo total ou parcialmente.


Para a fundadora da ONG, a assistente social Maria Cristina de Jesus, a criação de perucas trabalha a autoestima feminina ameniza os traumas. Cada peruca dura cerca de 7 meses. A organização não governamental aceita qualquer tipo de cabelo, com tamanho a partir de 20 centímetros.


Para doar


Gordura e sangue menstrual – Informações podem ser obtidas pelo site http://genoma.ib.usp.br/, pelo telefone (11) 3091-7966 ou pelo e-mail genoma@ib.usp.br


Dente de leite – Informações pelo e-mail: projetoafadadodente@yahoo.com.br


Cabelos – O material deve ser enviado pelo correio para: Av. João Paulo II, Lote 134, CEP 66645-240, Belém (PA). Dúvidas são esclarecidas pelo tel. (91)3231-1177 ou pelo e-mail: orvam@orvam.org

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