quarta-feira, 25 de julho de 2012

Código Penal: polêmicas à vista

Com leis criadas em 1940, documento de 500 páginas passa por minuciosa revisão e deve ficar pronto este ano
Raul Andreucci | Arte: Eder Santos montagem sobre foto Fotolia

As leis brasileiras que regulamentam os crimes do País e suas penas estão prestes a sofrer grandes mudanças. O primeiro passo já foi dado. Uma comissão especial de juristas, que contou com a colaboração de 17 especialistas em direito, elaborou um anteprojeto de reforma do Código Penal após 8 meses de estudo e entregou o documento completo para o Senado no último dia 27. Agora resta aos políticos discutirem cada item para chegar a uma redação final e consensual. O que, todos os envolvidos reconhecem, deve demorar até o final do ano.


Até porque, antes de tudo, é preciso se inteirar do que há nas 500 páginas deste primeiro esboço. O texto estava guardado a sete chaves e ainda não era de conhecimento público. "O que é uma das minhas maiores críticas. Só se sabia de detalhes pelo noticiário, por alguma entrevista dada por um integrante da Comissão", conta Janaína Conceição Paschoal, advogada e professora do Departamento de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP). "Não tenho a menor ideia do porquê fazer agora, essa pressa", acrescenta.


O novo Código Penal não é um completo estranho. Reúne artigos em vigor desde sua primeira versão, em 1940, elimina o que se tornou completamente obsoleto e incorpora as chamadas leis esparsas, criadas ao longo das últimas décadas por dispositivos especiais. A última vez em que passou por alterações foi em 1984. "O que está aí foi pensado pela sociedade dos pais dos nossos avós. É hora de pensar como será para os nossos filhos", pede o relator da Comissão Especial de Juristas, o procurador Luiz Carlos Gonçalves.


"O grande mérito é justamente reunir tudo que estava espalhado numa coisa só", elogia Ricardo Toledo Santos Filho, advogado e presidente da Comissão de Estudos do Projeto do Código de Processo Penal da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP). "Além de facilitar a compreensão global, ajuda a sanar a desproporcionalidade das penas. Como pode, por exemplo, a falsificação de cosméticos ter pena maior do que a do tráfico de drogas?".


O que deve mesmo gerar calorosos debates são as novidades. "Não deixamos nenhum tabu de lado", avisa o presidente da Comissão, Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Não à toa, estão lá aborto, bullying, crimes cibernéticos, drogas, eutanásia e racismo.


O aborto, hoje proibido, só é autorizado em caso de estupro ou risco de morte para a mãe. Pelo novo texto, também passa a ser permitido até a 12ª semana de gestação, desde que médico e psicólogo comprovem que a progenitora não tem condições de maternidade, e no caso de fetos anencéfalos – de grande risco para a sobrevivência de gestante e bebê.


O bullying (atos de violência física ou psicológica, intencionais e repetidos) vira crime passível de pena de 1 a 4 anos. Os crimes cibernéticos, que sequer existiam, entram no Código Penal. O uso pessoal de drogas ganha autorização, contanto que não em grupo ou perto de crianças. A eutanásia tem sua pena diminuída de 6 a 20 anos para de 2 a 4 anos, com chance de ser aceita em alguns casos. O racismo torna-se crime hediondo, inclusive contra pessoas de qualquer região do Brasil e homossexuais – e ainda com punição mais severa, com cadeia de 2 a 5 anos, imprescritível e inafiançável.


"Não achei que era hora de mexer no Código Penal. Estamos numa onda de resolver tudo pelo direito penal, como resposta para problemas sociais e questões educacionais. Abre-se espaço para muito modismo", reclama Janaína. "O bullying é um exemplo. Tira a responsabilidade da escola e dos pais. Sei que não é legal, mas imagina uma criança de 12 anos levada à Justiça? E o racismo, agora um crime hediondo, faz o mesmo mal do que a tortura?", questiona.


Por outro lado, há questões que, num primeiro momento, parecem indicar um avanço. O novo Código Penal prevê punição mais severa para jogos ilegais, que era de 3 meses a 1 ano e passa para até 2 anos. O enriquecimento ilícito de funcionários públicos – incluindo políticos – torna-se crime, com pena de 1 a 5 anos: hoje é apenas alvo de sanções. E poderá ser possível, com o consenso do Ministério Público, acordo entre vítima e criminoso, inclusive para evitar a prisão.


Mas "nada virou lei ainda, nós estamos apenas começando o debate", avisa Ricardo Santos Filho.

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