Maior produtor mundial de cana-de-açúcar, País investe cada vez mais em máquinas. Cortadores que antes sofriam com o trabalho pesado, quase escravo, agora temem o desemprego: 100 mil deles serão demitidos até 2014, diz entidade
Da redação | Arte: Edi Edson

O uso do etanol de cana-de-açúcar e da bioletricidade também reduz as emissões de gases do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento do planeta, o que coloca o Brasil em posição de destaque em tempos no qual o mundo busca conciliar, mesmo a passos curtos, o desenvolvimento econômico com a preservação do meio ambiente.
A realidade, no entanto, é amarga para os cortadores de cana, às custas de quem o País se tornou mais próspero, mas cujo trabalho está sendo substituído por máquinas. "Até 2014, calculamos que mais de 100 mil trabalhadores perderão seus postos de trabalho no cultivo da cana-de-açúcar", diz Antônio Lucas Filho, diretor da Secretaria de Assalariados da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag). Segundo ele, apesar da grande expansão da área plantada no País, quase 80 mil postos de trabalho já foram extintos entre 2007 e 2010 por causa da mecanização.

As medidas fazem parte do "Protocolo Agroambienal do Setor Sucroenergético", documento assinado entre o governo paulista e a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), entidade representativa das principais unidades produtoras de açúcar e etanol da região Centro-Sul. "Outros Estados também têm leis nesse sentido", diz Lucas Filho, da Contag.
O assessor de responsabilidade ambiental da Unica, Danel Lobo, aponta os benefícios da mecanização. "Em 2006, o Estado de São Paulo tinha 1 milhão de hectares colhidos sem o emprego do fogo. Em 2012, são mais de 3 milhões", diz. O diretor da Contag tem outra visão sobre o assunto. "O trabalho no cultivo da cana é difícil, mas é de onde os cortadores garantem o sustento da família. A mecanização acelerada está acontecendo com total descompromisso com os trabalhadores, que estão ficando sem emprego", reclama Lucas Filho.

Os tratores e colhedoras trouxeram a necessidade de um novo tipo de mão de obra para os canaviais, mais especializada, como motoristas, operadores, eletricistas e mecânicos. Entre os especialistas ouvidos pela reportagem, a opinião é unânime: os cortadores precisam ser requalificados e capacitados para assumir novas funções.
De acordo com a Unica, cada máquina que entra no campo emprega, em média, 18 pessoas. Para suprir essa demanda de mão de obra, que está em falta no mercado, as próprias usinas dizem ter projetos para requalificar os cortadores. "Desde 2009, mais de 20 mil trabalhadores já foram capacitados e mais de 70% deles já estão nas novas funções em São Paulo", diz Maria Luiza Barbosa, gerente de Responsabilidade Social Corporativa da Unica. Segundo ela, outros programas capacitam os cortadores para atuar fora das usinas.

No entanto, as máquinas demitem mais do que recontratam. Elas fazem o trabalho de cerca de 80 homens. "Não acredito que todos os trabalhadores sejam reaproveitados, mas o maior número possível", diz Maria Luiza. A tendência é que, nessa conta, os menos qualificados fiquem de fora. "Cerca de 70% dos trabalhadores rurais não concluíram o ensino fundamental", lembra Lucas Filho.
A maior parte dos cortadores são homens jovens, com baixa escolaridade, migrantes do Nordeste do País, muitos deles do Maranhão e do Piauí, que buscam a sobrevivência no cultivo da cana. Salário fixo mínimo, equipamentos de proteção, transporte seguro, água, banheiro e almoço à sombra foram alguns dos direitos conquistados com muita dificuldade ao longo de décadas.

"Mais de 90% dos trabalhadores têm registro em carteira em São Paulo. Isso não significa melhores condições em termos do esforço que é exigido em relação à produção", diz Maria Aparecida de Moraes Silva, professora da Universidade Federal de São Carlos (Ufscar), que realiza pesquisas sobre os migrantes cortadores de cana.
"As usinas exigem uma média mínima de produção de 10 toneladas por dia. Se o trabalhador não conseguir, corre o risco de perder o emprego", afirma ela, acrescentando que a força de trabalho de um cortador se esgota em 15 anos. "De 2004 a 2011, foram registradas 22 mortes, supostamente por exaustão nos canaviais paulistas", diz.
Segundo a Contag, o salário mensal pelo corte da cana depende da quantidade, região e tipo de cana, e varia de R$ 700 a R$ 1 mil. Com a modernização da lavoura, a dura rotina dos canaviais deve desaparecer, e com ela a profissão de cortador de cana-de-açúcar.

À espera de uma vida melhor

Como saem ainda de madrugada para trabalhar nos canaviais, as cortadoras não conseguem levar os filhos às creches e comprometem parte de sua renda com o pagamento de alguém que zele pelos pequenos. "Uma, especificamente, decidiu levar os dois filhos para adoção, pois não tinha quem cuidasse", conta Vânia.
Com a proibição do uso do fogo nos canaviais a partir de 2014, o trabalho tende a ficar ainda mais difícil. "Elas têm que lidar com animais peçonhentos. Além disso, o corte da cana crua leva a uma produtividade menor e esforço maior", diz a assistente social, acrescentando que uma de suas entrevistadas relatou ter cortado 28 toneladas de cana em um único dia.
"Elas desejam ter a casa própria e dar estudo aos filhos. Nenhuma quer que eles sejam cortadores de cana", diz Vânia.
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