segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Que País é Esse?

7 crimes contra idosos

Maus-tratos a pessoas com mais de 60 anos crescem à medida que a população brasileira envelhece
Arte: Eder Santos


Junho poderia ser um mês de comemorações para quem tem mais de 60 anos. O Conselho Nacional do Direito do Idoso (CNDI), órgão ligado à Secretaria de Direitos Humanos, completou uma década de existência e trabalhos em prol dessa faixa etária. E, no último dia 15, celebrou-se o Dia Mundial de Combate à Violência Contra o Idoso. Mas, a despeito de debates entre políticos, lembretes e propagandas de associações ligadas ao tema, realidade e dados provam que ainda há muito a ser feito pelos brasileiros com 60 anos ou mais.

O problema começa pelos direitos mais básicos, assegurados pelo Estatuto do Idoso. Quem sabe que, como diz a Lei 10.741, de 2003, é "dever de todos prevenir a ameaça ou violação aos direitos do idoso"? Não ajudar um senhor ou uma senhora, por exemplo, "quando possível fazê-
lo sem risco pessoal, em situação de iminente perigo", pode dar cadeia de 6 meses a 1 ano. A mesma pena serve para qualquer indivíduo que decidir, não importa o motivo ou a circunstância, "desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar pessoa idosa".



Como explica Marília Berzins, assistente social e profissional da Área Técnica de Saúde da Pessoa Idosa, da Secretaria Municipal da Saúde de São Paulo, "a ofensa, muitas vezes, dói mais do que um tapa. O idoso se sente a mais inferior das pessoas". Para a especialista, a violência contra o idoso é muito menos física e muito mais psicológica e financeira. Não é à toa que são esses os principais motivos de ligações para o Disque 100 Idoso, canal de denúncia de crimes contra pessoas mais velhas. Segundo a Secretaria de Direitos Humanos, só no ano passado foram 44 mil denúncias no total.

Minas Gerais, que tem o seu próprio disque denúncia, bateu recorde de reclamações em janeiro: 104, média de mais de 3 por dia. Nenhum mês de 2011 atingiu esse patamar, engrossado pelos maus-tratos de familiares. No Amazonas, os números são ainda maiores, com 4 mil episódios só no ano passado (uma média mensal de 159).


Um dos mais recentes e simbólicos casos de violência, neste caso claramente física, passou-se na comunidade do Pinheirinho, em São José dos Campos, no interior de São Paulo, em 22 de janeiro. Ivo Teles, de 70 anos, teria resistido à ordem dos policiais para desocupar sua casa e acabou espancado. Em coma por dois meses, faleceu em 9 de abril. Só agora, por ordem da Justiça paulista, terá o direito de ter o corpo exumado em Ilhéus (BA), sua cidade natal.

No Distrito Federal, um estudo mais detalhado, feito entre janeiro de 2008 e dezembro de 2011, apresenta conclusão ainda mais triste: 30% dos casos atendidos em seu Núcleo de Defesa do Idoso envolvem uma ou mais formas de violência. E quase sempre dentro de casa. No último dia 14, uma senhora de 94 anos apareceu no Hospital Regional de Planaltina, região metropolitana de Brasília, cheia de manchas roxas pelo corpo. Era maltratada pela neta.

Na Bahia, a situação foi ainda mais longe. Fernando Rafael Matos Freire Conceição, de 32 anos, professor de capoeira conhecido como "Porco Espinho", é o principal suspeito de assassinar a avó, Araci de Matos Freire, de 90 anos. Foi ela quem o criou. O rapaz nega o crime e disse tê-la encontrada morta, apesar de evidentes sinais de agressão.


"O agravante é que, muitas vezes, os idosos não reconhecem que foram vítimas de violência. É preciso acabar com essa cultura de maus-tratos. Como a violência parte, muitas vezes, dos próprios familiares, os idosos não querem atribuir a culpa a eles. Na hora de penalizar, eles defendem o familiar", lamenta a especialista Marília Berzins.

O Brasil não é o único no mundo a cometer tantos desrespeitos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 4% e 6% dos idosos em todo o mundo já foram vítimas de alguma violência. É como se, a cada 2 minutos, um idoso fosse desrespeitado em algum lugar do planeta. O assunto preocupa a Organização das Nações Unidas (ONU). Na avaliação do secretário-geral Ban Ki-Moon, a questão é "um ataque inaceitável à dignidade e aos direitos humanos".


O aumento de casos de violência contra o idoso acontece justamente num momento em que também cresce a expectativa de vida no mundo. A estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é de que os cerca de 20 milhões com mais de 60 anos contados em 2010 pelo Censo saltem para quase 30 milhões em 2020. Em 2050, estima-se que um a cada quatro brasileiros serão idosos.

"A sociedade e o governo têm de perceber que o País vive um momento muito positivo. O nosso desafio é agregar qualidade de vida com envelhecimento ativo e saudável", pondera Maria do Rosário, ministra da Secretaria de Direitos Humanos.

Brasileiro está vivendo mais, aponta IBGE

O crescimento do número de idosos no Brasil avança a galope. De acordo com informações dos censos demográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 1960, o País tinha 3,3 milhões pessoas com 60 anos, o que representava 4,7% da população. Em números absolutos e percentualmente, o Brasil tem cada vez mais idosos. No início da década de 90 o crescimento era sensível, mas o Censo 2000 já registrou que 14,5 milhões de brasileiros tinham 60 anos ou mais, ou seja, 8,5% da população. Em 2010, o número de idosos saltou para mais de 10% do povo brasileiro, com 20,5 milhões de representantes.

'Papel do Estado é crucial', diz deputado Vitor Paulo

Na véspera do Dia Mundial de Combate à Violência Contra o Idoso, a Frente Parlamentar em Apoio ao Idoso, em parceria com a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, promoveu o debate "Quem maltrata o idoso não fere apenas o corpo, mas apaga toda sua história". Na ocasião, foi defendida a criação da Secretaria Nacional do Idoso. Coordenador da frente parlamentar, o deputado Vitor Paulo (PRB-RJ) ressaltou que é "crucial" o papel do Estado para implementar políticas para os idosos e suas famílias. A ministra da Secretaria dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, disse que a nova secretaria é um compromisso do Governo. "Estamos trabalhando para que os primeiros recursos fortaleçam os conselhos municipais do idoso", comentou.

O deputado Vitor Paulo lembra que ainda há muito o que fazer, principalmente com relação aos idosos de baixa renda. "As pessoas mais humildes não têm acesso a serviços públicos como saúde e transporte. E, quando têm, é um serviço de má qualidade", disse o par.lamentar. Ainda segundo ele, é preciso investir em ações que rompam o círculo vicioso da violência e conscientizar a sociedade. "Sou de uma geração que tratava os idosos com respeito. Isso se perdeu com o tempo. Sou favorável à inclusão na grade curricular das escolas do debate sobre a forma de respeitar e garantir os direitos dos idosos."

*Informações publicadas na monografia "A Violência contra o Idoso", da professora Nádia Dumara, do Curso de Especialização "Políticas de Gestão em Segurança Pública", da PUC-SP.

Nenhum comentário:

Postar um comentário